Uma das máximas de um saudoso professor de veterinária da Faculdade de Lisboa, repetida incessantemente nas suas magistrais aulas teóricas de parasitologia, era a de que não havia animais selvagens, mas sim animais silvestres, reiterando que selvagem era o Homem quando destruía os seu habitats naturais e os queria antropomorfizar.
Serve esta nota de abertura para repudiar a forma como o caso dos ditos “cães selvagens” de Mirandela veio a público, mostrando a “selvajaria” humana no tratamento da questão, excessivamente mediatizada, e onde se ouviram comentários extemporâneos e descontextualizados.
Correctamente deveríamos falar em cães assilvestrados e não selvagens. Esta matilha cujo número ninguém em concreto consegue quantificar (referiram-se 200 animais (?), outras fontes falavam em 80), terá sido o resultado de um núcleo inicial de cães abandonados, que sem qualquer controlo reprodutivo e com fonte de alimento disponível no aterro intermunicipal em Frechas, terá crescido de forma exponencial e criado alarme nas aldeias vizinhas, com casos confirmados de mordeduras a habitantes locais.
Convêm lembrar que a captura de cães vadios ou errantes é uma competência das Câmaras Municipais e só em situações excepcionais de grandes matilhas, esgotados que estiverem os métodos convencionais de captura, e com forte evidência de risco para a segurança das populações é que a Direcção Geral de Veterinária intervém com a emissão de Edital que dá força de lei para se proceder à captura compulsiva, permitindo o abate imediato destes animais. O Edital refere mesmo: “ …captura e/ou eliminação de cães (matilhas) que deambulem na freguesia de frechas, concelho de Mirandela.”
Não se ouviu nenhuma explicação detalhada e com suporte técnico-veterinário avalizado que justificasse este carácter excepcional. O que transpareceu para a opinião pública foi que esta medida – eliminação compulsiva, o que equivale a abate – foi a única empreendida para resolver o problema desta sobrepopulação canina. Aliás nas imagens que passaram em diferentes canais televisivos era evidente a presença de cães no interior da área do aterro, em espaço próximo aos respectivos funcionários, não sendo visível a terrível ferocidade dos bichos. Alguns passeavam tranquilamente pelo espaço, o que denota que a vedação do aterro é permeável a estes animais, e que muitos deles estão minimamente socializados. Sublinho que não foi alguma vez referido que outros métodos de captura tivessem sido testados. Neste particular não ouvi referir que tivesse sido testada a utilização de jaulas com iscos, que se forem de dimensão adequada e devidamente dissimuladas podem ser muito eficazes nestes casos.
No meio destas dúvidas e espalhafato mediático, resta registar a atitude prudente e sensata que o comando distrital da Guarda Nacional Republicana assumiu ao não se quer associar a uma eliminação compulsiva de animais, de eficácia questionável e com um ónus negativo em termos de opinião pública.
( Artigo Publicado no Jornal Nordeste de 13-12-2011)